domingo, 16 de agosto de 2009

Fernanda

Fecho-me na casa de banho. Do outro lado da porta a minha filha grita,chora,implora;
«- Mãe pára! Mãe! Não faças mais isso!»
Pobrezinha! Ainda não entendeu que quanto mais grita, chora e implora mais eu me espeto.

Acho que já há muitos anos deixei de estar dependente da droga. Claro que continuo com a metadona pelo sim,pelo não. Dei conta de que o meu vicio já não era a droga quando comecei a injectar qualquer coisa que encontrava. Cheguei a injectar vinho, detergente da louça, enfim o que aparecesse. Foi, nessa altura, que se tornou claro que o principal era sentir a agulha a entrar no meu braço, e em outras partes do meu corpo.
Sempre tive o meu próprio Kit. Anda sempre comigo. É um clássico! Seringa de vidro, elástico e duas agulhas, uma mais fina e outra mais grossa.Se um dia perco esta agulha, a mais grossa, vai ser complicado substitui-la. Já tem muitos anos, e é especial. Já a raspei várias vezes em muros e por isso tem várias arrestas. Quando entra no meu corpo , as arrestas, abrem a pele e a dor espalha-se por todo o corpo.É algo indescritível!
Quando vou ao Hospital ou ao Centro de Saúde arranjo sempre maneira de sacar umas seringas e agulhas. Mais são das descartáveis, não tem a mesma força que as antiguinhas. Nada que se compare ás minhas.
É engraçado, que apesar de já não injectar tenho sempre que usar a seringa, a minha velhinha de vidro.Primeiro é o ritual do picar e no final acabo sempre por colocar a seringa. Não faz nada, mas tenho que a colocar.
O meu corpo já não tem muito mais espaço para ser picado.Cabeça, pés, pescoço, já o experimentei todo. Os braços, bem os braços, já nem vale a pena, estão uma desgraça. Ando sempre de manga cumprida.

E diariamente, o ritual repete-se. Umas vezes com a mais fina , outras com a mais grossa.

Abro a porta da casa de banho. Abraço a minha filha, que quase sufoca, e prometo-lhe que está será a última vez.
Pobrezinha! Ainda não entendeu que quanto mais chora,grita,implora, mais eu me espeto!

1 comentário:

  1. Olá Ângela
    Que histórias tão tristes, histórias não, realidades! Tens que ter uma grande «couraça» para aguentar isso!
    Então os meus blogues? São uma «xaxada», não é?
    Beijinhos para ti e apesar dessas experiências que narras, serem tristes, são também uma transferência de conhecimento é sempre positivo conhecer o bom e o mau.

    ResponderEliminar